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Fernão Lopes Simões de Carvalho nasce a 27 de Outubro de 1929 em Luanda, Angola. Frequenta o Liceu Nacional Salvador Correia, na capital da antiga província colonial, até aos 14 anos, quando se muda para Lisboa. É nesta cidade que estuda arquitectura na Escola Superior de Belas Artes então ainda dominada por mestre Cristino da Silva, à época um crítico do Movimento Moderno. Concluídos os estudos académicos em 1955, Simões de Carvalho procura completar a sua formação em Paris, onde contactará com Le Corbusier. Antes ainda, entre 1955 e 1956, tirocina no Gabinete de Urbanização do Ultramar, com os arquitectos João Aguiar e Lucínio Cruz, figuras destacadas neste organismo estatal que centraliza em Lisboa a realização dos principais projectos de equipamentos públicos para os territórios coloniais (planos urbanísticos, escolas, hospitais, edifícios administrativos...).

Simões de Carvalho será o terceiro português a aproximar-se de Le Corbusier, depois das estadas parisienses de Vasco Vieira da Costa e de Nadir Afonso nos finais dos anos de 1940, e o único oriundo da escola lisboeta. Em 1956 começa a colaborar no estúdio de André Wogenscky, responsável pelos projectos de execução realizados pelo mestre franco-suíço, sendo contratado para trabalhar especificamente na Unidade de Habitação de Berlim. Permanece até 1959, o que lhe permite participar em projectos relevantes do escritório, caso do Mosteiro de La Tourette ou do Pavilhão do Brasil na Cidade Universitária de Paris, de que será architecte de chantier. É também durante este período que apreende o sistema Modulor que utilizará correntemente nos seus projectos. Prepara a tese na capital francesa e em Londres, sobre um Centro de Televisão, defendendo-a em 1957, em Lisboa, com 19 valores. Paralelamente, estuda urbanismo no prestigiado Institut d’Urbanisme de l’Université de Paris, na Sorbonne, onde sobressai a personalidade de Robert Auzelle, cujos princípios ministrados contrários à tábua rasa da Carta de Atenas terão grande influência no seu trabalho quando regressa a Luanda, o que acontece em 1960.

Em Angola, a sua vocação enquanto urbanista manifesta-se quase imediatamente, quer ao serviço da Comissão de Urbanização e Turismo da Corimba (Planos Director e Geral de Urbanização do Futungo de Belas, 1960-1962) quer na Junta Provincial de Povoamento Agrário do Vale do Bengo (1960-1963). Em 1961, cria o Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal de Luanda, que passa a chefiar. Dirigindo uma equipa que chegará a contar com oito arquitectos, três engenheiros, um topógrafo, um artista plástico, dez desenhadores e um maquetista, para lá do pessoal administrativo, elabora o Plano Director da Cidade e cerca de 100 planos parcelares. Enquanto manteve funções camarárias, até 1966, Simões de Carvalho nunca acumulou o exercício da profissão liberal, defendendo um regime de exclusividade para os funcionários públicos. 

Defensor da arquitectura moderna, vê-se essencialmente como um “técnico”, posição que lhe possibilita guardar distância artística e ideológica face ao Estilo Internacional. Todavia, os projectos do seu “período africano” – a primeira fase de uma carreira repartida por três continentes (África, Brasil e Portugal) –, maioritariamente construídos na capital angolana e nas regiões vizinhas, reflectem um domínio apurado da linguagem moderna, principalmente daquela que ostenta uma marca béton brut, claramente apreendida na convivência com Wogenscky. Assim, durante a década de 1960 constrói em Angola um conjunto de edifícios memoráveis onde vai revisitando um repertório de tonalidade corbusiana. É o caso das seis moradias rurais em Quilunda para a população indígena (1960-1963), junto da Barragem da Quiminha, onde reproduz numa cobertura contínua de abóbadas algumas propostas de Le Corbusier, normalmente associadas a exigências próprias das regiões tropicais.

Do mesmo período, e já em Luanda, são p. e. a Capela (1962-1964) e o Conjunto Assistencial da Cazenga que integra o centro social, centro elementar de saúde, creche e jardim escola (1963-1965), onde experimenta soluções decorrentes das especificidades climatéricas locais, concebendo espaços com ventilação cruzada e recorrendo abundantemente a grelhagens. Desenha igualmente o mercado do Caputo (1962-1965), onde o betão adquire valor plástico através das modelações da cobertura. Aproveitando a aprendizagem desenvolvida durante a tese, Simões de Carvalho elabora entre 1963 e 1967 aquela que pode ser considerada a sua mais importante obra desta fase: o Centro de Radiodifusão de Luanda, ainda hoje em actividade, demonstrando elevada maturidade no uso do betão aparente.  

Também se dedica a grandes planos residenciais, como o bairro de pescadores com 500 fogos na ilha de Luanda (1963-1966), actualmente imperceptível, que projecta com José Pinto da Cunha. Com o mesmo arquitecto, contando ainda com a co-autoria de Fernando Alfredo Pereira, desenha os edifícios de habitação colectiva para a Unidade de Vizinhança nº 1 no bairro Prenda (1963-1965), com cerca de 1150 apartamentos. Nesta área de Luanda propõe um esquema de miscigenação populacional inédito nos aglomerados coloniais da época, contrariando a tendência mais corrente que então marginaliza a comunidade nativa obrigando-a a permanecer fora dos limites da cidade formal. É nas imediações do bairro que implanta a sua própria casa (1966) que ocupará por muito pouco tempo. 

Mas também irá deixar projectos significativos por concretizar. Uma obra de grande escala, que, p. e., fica por construir, é o autódromo de Luanda (1966-1967), pensado em parceria com o engenheiro Manuel Travassos Valdez.

Depois de novo regresso a Lisboa, ingressa no Gabinete de Habita-ção da capital entre 1967 e 1975, com a condição de retornar a Angola a cada seis meses. Continua portanto a projectar para a antiga colónia, sozinho (plano municipal do parque, Cabinda, 1967-1968, ou quatro moradias contíguas para funcionários dos CTT, Sumbe, 1970) ou em parceria, com Joaquim António Lobo de Carvalho (edifícios dos CTT de Cabinda e de Silva Porto, ambos de 1969-1970, ou a Faculdade de Medicina de Luanda, 1969).

A segunda etapa profissional de Simões de Carvalho dá-se no Rio de Janeiro, para onde embarca após a Revolução de 1974 por ausência de encomenda e já que a maioria dos seus clientes dependia da economia angolana gerada pela estrutura colonial. A escolha do Brasil como desti-no profissional é partilhada por outros arquitectos coloniais, caso de Pinto da Cunha, que encontram apoio na comunidade portuguesa aí instalada. Simões de Carvalho trabalha no escritório carioca de Horácio Camargo, na Tijuca, apresentando-se no concurso para a Escola Naval dos Fuzileiros da Armada, no Rio de Janeiro, logo em 1976. Antes de retornar em Outubro de 1979, faz ainda projectos para Vitória, Pelotas ou Maricá. Ocupando-se preferencialmente de planos urbanos, elabora igualmente projectos de arquitectura, destacando-se também aí a opção pelo betão aparente: remodelação do Quartel-General do Corpo de Fuzileiros Navais (Ilha das Cobras, 1976), edifício do Comando da Divisão Anfíbia e Batalhão de Comando para o Corpo de Fuzileiros Navais (Ilha do Governador, 1976), pavilhão de exposições caninas para o Keenel Club (Campos, 1979) ou casa de rendimento para o
Dr. António Gomes da Costa, no bairro da Tijuca (1976-1978). Ainda no campo do urbanismo, faz equipa com Maurício Roberto no concurso para o plano integrado de Caji-cidade para apoio do pólo industrial de Camaçari no estado da Bahia (1977-1979) que acabam por vencer. Para a empresa Odebrecht realiza o plano da cidade Vilas do Atlântico (1979) a 25 quilómetros de São Salvador que será concretizado.

Novamente em Portugal, Simões de Carvalho entrega-se à conclu-são da sua residência em Queijas, que deixara inacabada antes da partida para o Rio e que representa uma síntese da sua obra africana, onde reforça a importância plástica que atribui ao betão. 

Dentro de uma abordagem pragmática, perceptível em todo o seu percurso, desdobra-a em diversos patamares aproveitando o declive acentuado do lote e conseguindo assim superar a área bruta disponível. A casa é assinalada por um portão que quase sugere uma homenagem (mesmo que involuntária) à cultura pop que se instala no país nos anos de 1970. Ainda em Lisboa, será responsável por edifícios de expressão urbana, como o Ministério da Agricultura (Areeiro, 1980-1983), o Hotel Continental (1985-1987) ou a nova Clínica Psiquiátrica de S. José das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus (Telheiras, 1983-1995), cuja capela retoma velhos temas corbusianos. Lecciona projecto na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, desde 1979 e até 1995, assistindo à sua passagem para Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Será ainda assessor de Urbanismo e Planeamento de Construção da Câmara Municipal de Lisboa. Hoje continua a desenhar os seus projectos no estúdio que construiu na casa de Queijas, enquanto espera pelo regresso a África para concluir o trabalho que deixou em aberto.|

 

 


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